30.3.11

Balanço arquitetônico - Otávio Leonídio

Doutor em história, professor da PUC/ RJ e autor de Carradas de razão - Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (Loyola/PUC/RJ, 2007).

1- Penso, de imediato, em três projetos: Fundação Iberê Camargo, de Álvaro Siza Vieira; Cidade da Música do Rio de Janeiro, de Christian de Portzamparc; e Hospital Sarah Kubitschek Rio, de João Filgueiras Lima (Lelé). No caso de Lelé (meu escolhido), o que mais me encanta é a capacidade de seu autor de seguir insistindo num caminho que, desde 1936, é visto com desconfiança por sucessivas gerações de arquitetos brasileiros: as potencialidades estéticas da forma não-compositiva. O Sarah Rio é a obraprima que desmente um dos axiomas da arquitetura brasileira, a saber, o suposto desacordo entre qualidade estética e produção seriada.

2 - A principal marca da década é, parece-me, a consolidação da hegemonia, em nível nacional, da arquitetura pensada, ensinada e produzida em São Paulo. Uma arquitetura que, de fato, se constitui numa “corrente”, de vez que se trata de uma produção estruturada por elos bastante sólidos, forjados no âmbito de uma escola (a FAU/USP), mas que se estendem pelas demais instâncias do métier paulistano. A trama de parcerias e colaborações que se estabelece a partir da FAU/USP e que caracteriza a prática projetual paulistana, em especial a que se estabelece em torno de Paulo Mendes da Rocha, não deixa dúvidas quanto à extensão, a força (porventura coercitiva) e os limites dessa corrente - espreitada, aqui e ali, pelo fantasma do maneirismo.

3 - O título de uma exposição, realizada no final de 2005, em Paris, define, creio, o significado da arquitetura produzida hoje no Brasil: Ainda Moderno?. De minha parte, substituiria apenas o ponto de interrogação pelo de exclamação: ainda moderna! O que, segundo minha leitura, significa dizer: ainda não contemporânea. Trata-se, por isso mesmo, de uma arquitetura marcada por traços como: saudosismo, melancolia, desmedido apego ao sucesso, ao reconhecimento público e à celebração (sobretudo internacionais), ojeriza à crítica e indisposição para a autocrítica e, para não contrariar Oscar Niemeyer, incontinente cabotinismo. Mas, acima de tudo, dizer “ainda moderna” significa dizer inapta para lidar com as questões teóricas (não: “sustentabilidade” não é uma delas) que definem o mundo contemporâneo, e que implicam, no caso da arquitetura, a crise do conceito moderno de projeto. A propósito, o Prêmio Pritzker dado a Paulo Mendes da Rocha, em meados da década, e, sobretudo, o modo provinciano como foi recebido no Brasil, parece confirmar o lugar que se reserva – e candidamente se aceita - à arquitetura brasileira no panorama contemporâneo: jamais o da reflexão e da consciência crítica, senão, eternamente, o da alegria, da felicidade, da beleza, do bem-estar. É um lugar insatisfatório.

4 - Minha sensação é a de que, em grande medida, a década de 2000 teve início na virada dos anos 1980 para os 1990, a partir de dois eventos seminais: a publicação, em outubro de 1990, pela revista AU, do texto em que Sophia Telles apresenta sua influente interpretação do projeto do Mube; e a vitória da equipe liderada pelos jovens discípulos de Mendes da Rocha, Angelo Bucci e Álvaro Puntoni (com José Oswaldo Vilela), no concurso para o pavilhão brasileiro na exposição de Sevilha de 1992 - vitória que deu lugar ao famoso artigo “Deu em vão”, publicado nesta PROJETO, no qual Hugo Segawa censurava Paulo Mendes da Rocha e demais integrantes do júri por terem optado por uma linha arquitetônica “conhecida, previsível e por isso mesmo conservadora”.
                Passados quase 20 anos, é hora de rever ambos os projetos e reler ambos os textos. Pois uma parcela significativa do que se fez desde então, de um modo ou de outro, se relaciona com esses dois projetos. E se me for permitida uma sugestão, creio que uma boa chave de leitura seria partir de duas constatações: a influência persistente e a recepção por regra acrítica de um e outro projetos; e o crescente desinteresse e mesmo a indisfarçada intolerância para com a crítica de arquitetura, em especial a crítica que, do ponto de vista dos muito satisfeitos, não foi capaz de reconhecer, já no final da década de 1980, a “evidente” qualidade e a “incontestável” pertinência da arquitetura de Paulo Mendes da Rocha.

5 - Paulo Mendes da Rocha.

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