30.3.11

Balanço arquitetônico - Carlos Eduardo Dias Comas

Crítico, professor da UFRGS e coordenador do Docomomo Brasil.

1- O museu da Fundação Iberê Camargo, de Álvaro Siza, ou a assimilação da nossa tradição moderna por um dos grandes nomes da arquitetura contemporânea. Nossa, no caso, se refere ao Brasil mesmo, e desculpem os nomes de sempre, o cânone, fazer o quê? Não se inventa arquitetura a cada segunda-feira, já dizia Mies.
Moderna, no caso, reporta-se à forma mesmo, enquanto arquitetura contemporânea se refere exclusivamente a realizações formais feitas num presente ampliado, digamos, a década que passa. Tradição moderna é expressão abrangente, não se limita ao país, tem valor global e, considerada vigente, implica por definição, ao contrário de arquitetura contemporânea (ou moderna no seu sentido estritamente temporal), um fenômeno de larga duração, que se articula diversamente com diferentes conjuntos de realizações formais, sucessivos ou sincrônicos, mas de duração relativamente curta. Obviamente, nem toda arquitetura contemporânea se inscreve numa tradição moderna, mas a de Siza o faz e é exemplar.

2 - Não falaria em corrente, mas destacaria quatro fenômenos. Primeiro, a aceitação plena da tradição moderna em geral e em particular por parte dos arquitetos de produção mais instigante, minoria entre uma massa francamente subordinada à lógica do mercado e hostil a essa tradição. O pós-modernismo populista e militante continua gozando da melhor saúde nas nossas plagas. Segundo, a importância assumida pelos
programas de reciclagem, edifícios de apartamentos diferenciados e escolas com elementos pré-fabricados como catalisadores de soluções arquitetônicas e urbanísticas atraentes. Terceiro, a importância potencial do projeto de exposições, quer em termos de conteúdo curatorial, quer em termos de forma. Em ambos os sentidos, a 29ª Bienal me parece estimulante. Quarto, o interesse de escritórios estrangeiros de primeira linha no país, que pode trazer resultados positivos, como no caso de Siza, ou questionáveis, como no caso de Jean Nouvel e a filial carioca do Guggenheim.

3 - Infelizmente, produto de exceção. Toda sociedade tem a arquitetura que merece, urbanismo incluído. Há coisa menos favorável à arquitetura que encomendas públicas à base da licitação por menor preço? Ou concursos em que a soberania do júri implica o desrespeito por princípio tácito ao edital? A regra é a oposição entre o
delírio gratuito e a submissão abjeta aos ditames do mercado, afinal farinha do mesmo saco, em vez de buscar um realismo imaginativo, em que a invenção transforma o problema em oportunidade, como faz Siza com o terreno em Porto Alegre ou Paulo Mendes da Rocha com o projeto da candidatura de São Paulo aos Jogos Olímpicos.

4 - A qualidade média continua fraca, mas há abertura para projetos mais sofisticados nas grandes capitais brasileiras, como mostra a própria lista de projetos ou a seleção feita para a Bienal de Arquitetura e Urbanismo Ibero-Americana em Medellín. E o episódio da praça da Soberania não deixa de ser animador - a reação, é claro. Por outro lado, pensando prospectivamente, está na hora de reiterar não só a reivindicação da articulação da arquitetura com o projeto de infraestrutura da cidade, como a relevância de pensar a reciclagem do nosso patrimônio moderno, aqui entendido tanto enquanto forma como enquanto tempo preciso: 1930/70.

5 - Fazer o quê? Paulinho e Oscar, sem dúvida, e Lelé, também, lamentando a saída de cena do Joaquim [Guedes]. Não há um só grande nome, nem uma revelação, mas a consolidação de nomes em diferentes gerações.

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