30.3.11

Balanço arquitetônico - André Aranha Corrêa do Lago

Diplomata e crítico de arquitetura, membro do Comitê de Arquitetura e Design do Museu de Arte Moderna da Nova York.

1- A casa em Carapicuíba [de Angelo Bucci e Álvaro Puntoni] é um dos projetos que mais me impressionaram nos últimos dez anos. Confrontados com um terreno dificilíssimo, os arquitetos optaram por uma planta de grande complexidade, com soluções surpreendentes, imensa riqueza estrutural e coerência formal. O projeto
lembra uma incompreensível fórmula matemática que resolve um problema aparentemente insolúvel de maneira extraordinariamente clara. Há poucos projetos dessa complexidade e sofisticação no Brasil e no exterior.

2 - Devemos estar num processo de transição, graças a vários fatores positivos que se acumularam desde os anos 1980. Mas não creio que seja necessário procurarmos apontar uma “corrente arquitetônica no país”. As características do Brasil são tão variadas, dependendo da região, contexto histórico ou cidade, e existe hoje uma tal riqueza de tendências na arquitetura mundial, que a direção para a nossa arquitetura deveria ser muito mais no sentido da diversidade do que no da insistência em uma “arquitetura nacional”. Há grandes desafios e oportunidades que ainda não foram abordados de forma consistente no país. Há, na realidade, pouca variedade na arquitetura de qualidade no Brasil pela grande fidelidade às tradicionais linhagens. Há espaço para muito mais. A situação atual é similar à hipótese de que a música brasileira só poderia ser bossa nova. Não: pode ser rock, chorinho, jazz etc.

3 - O significado da arquitetura brasileira, nesse contexto, deveria ser buscado nas respostas que não trouxe até hoje em áreas como boa construção social ou edifícios corporativos de qualidade. Nunca houve tanto dinheiro no Brasil e a arquitetura não reflete isso. As construções parecem demonstrar que o enriquecimento do país se dá sem elevação do padrão cultural. Por que o setor privado, por exemplo, até hoje não conseguiu preencher o vácuo deixado pelo poder público como motor da arquitetura de qualidade no Brasil? Talvez por esse vácuo indiscutível foram tão presentes e divulgadas as arquiteturas residencial e comercial de qualidade na última década. Essas realmente se fortaleceram, vencendo os decoradores que tinham tomado o poder na década de 1980. Esses arquitetos contribuíram, igualmente, para um retorno à substância da nossa tradição dos anos 1940 a 1960: uma verdadeira arquitetura, e não apenas um estilo.

4 - Houve grandes avanços, um dos quais o reconhecimento de que a arquitetura residencial e comercial merecia mais crédito. Outro avanço foi a aceitação - longe de consensual, no entanto - de que arquitetos estrangeiros podiam atuar de forma construtiva no país. O excepcional museu de Álvaro Siza em Porto Alegre - projeto particularmente significativo por ser privado - e os belos projetos de Diller Scofidio + Renfro (Rio) e Herzog & De Meuron (São Paulo) não ameaçam em nada a “nossa” arquitetura. Ao contrário, introduzem um fator que teve papel essencial em elevar o padrão e a diversidade da arquitetura de países como Espanha e Portugal. Ambos tinham muito menos tradição do que o Brasil em matéria de arquitetura moderna e hoje encantam o mundo com belíssimos projetos tanto de estrangeiros tanto de arquitetos locais.

5 - Os dois Pritzkers brasileiros mostraram surpreendente dinamismo: Niemeyer produziu nesses dez anos pelo menos uma obra-prima, o Auditório do Ibirapuera, e Paulo Mendes da Rocha realizou diversos trabalhos de grande qualidade. O terceiro Pritzker para um brasileiro deveria ser para Lelé, que continua a ser imensamente consistente, produtivo e modesto. Nas gerações mais recentes há indícios de que cresce a tendência à diversidade. Paulo Henrique Paranhos, Isay Weinfeld, Marcio Kogan, Bernardes e Jacobsen, os escritórios Una, MMBB, SPBR, Grupo SP, Triptyque e alguns outros nos lembram que existem clientes dispostos a investir em inovação e qualidade.    A obra desses arquitetos é a prova, também, do quanto é difícil o salto para projetos          de maior porte. A grande revelação da década é a imensa e constante qualidade das obras de Angelo Bucci e Álvaro Puntoni.

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